Partindo da premissa de que “uma lei não é justa porque é lei…” (Filho, 2002), adicionado ao facto de que sobre o conceito de justiça estão implícitos os princípios da representatividade e da moralidade, a criminalização da poligamia em Angola parece mais um acto de “injustiça da lei” do que propriamente de justiça. Se não vejamos:

A idéia de Justiça engloba valores inerentes ao ser humano e aos seus hábitos e costumes, em suma transcendentais… “O Direito, por sua vez, é um conjunto de princípios e regras destinado a realizá-la. E nem sempre o Direito alcança esse desiderato, quer por não ter acompanhado as transformações sociais, quer pela incapacidade daqueles que o conceberam, e quer, ainda, por falta de disposição política para implementá-lo, tornando-se por isso um “direito injusto” (Filho, 2002, p. 58).

O Artigo 7.º da CRA é claro em reconhecer a validade do costume, desde que não atente contra o princípio da dignidade da pessoa humana (CRA, 2010). Porém, sendo Angola um país maioritariamente habitado pelo grupo bantu, o sentido de justiça do direito angolano pressupunha a consideração do costume, claro, desde que a dignidade do angolano esteja salvaguardada.

Porém, considerando a poligamia um valor transversal aos variadíssimos grupos étnicos que compõem o mosáico cultural angolano, daí a permissividade em muitas famílias (Altuna, 2006), a criminalização da mesma revela, a partida, um certo desencaixe da lei e consequente injustiça na concepção do direito positivo. Tal como refere Durkheim (2012), a consciência colectiva revela a alma de uma determinada sociedade. E, é esta consciência colectiva que deve constituir a fonte do direito (Rosa, 2009).

A criminalização da poligamia no código “oitocentista” compreende-se pelo facto do referido dispositivo legal ter sido concebido pelo colonizador, cuja fonte do direito era essencialmente a “consciência colectiva portuguesa”, por sinal “monogâmica”. Com a concepção e aprovação do novo código penal, era expectável que os casos omissos e os valores culturais actuais e actuantes, outrora ignorados pela colonialidade do primado da lei, fossem merecer um certo reconhecimento e o seu devido tratamento considerando, sobretudo, a consciência colectiva angolana.

Contudo, a (re) criminalização da poligamia no Novo Código Penal (ver artigo 221º) revela uma certa “injustiça da lei” resultante da incapacidade do legislador e/ou falta de predisposição política. E, por sua vez, torna inoperante a validade do artigo 7º da CRA, porque do ponto de vista da idiossincrasia bantu, a poligamia, como se sabe, não atenta contra a dignidade da pessoa humana, muito pelo contrário, ela protege a família, evita a promiscuidade, garante a fidelidade e a inclusão social entre os filhos e as esposas através do consentimento multilateral (Altuna, 2006).

Contrariamente, a monogamia promove a discriminação entre os filhos com a distinção filhos legítimos e bastardos, alimenta a promiscuidade, a fuga à paternidade e a monoparentalidade. Pois, indivíduos com o casamento “legal” sentem-se inibidos de formalizar outras relações por força da lei, nem que daí resulte rebentos.

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