A história constitucional angolana surgiu com a primeira Lei Constitucional de 11 de Novembro de 1975, aprovada um dia antes da independência pelo Partido MPLA, tendo na altura instituído a República Popular de Angola, baseada em eixos de matriz marxista-leninista. Ora, a mesma sofreu várias revisões constitucionais tendo conhecido o seu apogeu de revisão na Lei Constitucional de 1992, sendo esta última criando uma ruptura Constitucional, inicialmente operada em 1975. Com a Lei Constitucional de 1992, criaram-se as bases e condições para o surgimento da Constituição de 2010, através da Lei n” 2/09, de 6 de Janeiro que criou a comissão Constitucional que foi encabeçada pelo então Deputado Bornito de Sousa Baltazar Diogo, actualmente Vice Presidente da República. Assim, no dia 3 de Janeiro de 2010, numa sessão plenária, o poder constituinte (originário) aprovou a actual CRA com 186 votos a favor e 8 abstenções sem nenhum voto contra. Lembrar que nesta mesma CRA mais de 40 artigos não foram anuídos pela Unita.
Passados mais de 11 anos, somos surpreendidos com uma “Revisão Pontual” conforme apelidou o seu proponente, acrescentando ainda que a mesma visa a clarificação de determinados artigos constantes no actual texto constitucional. Nesses termos, a presente revisão constitucional, enquadra-se naquilo que a doutrina chama de revisão ordinária e faz surgir o poder constituinte derivado. Importa ressaltar também que, qualquer revisão deve inicialmente obedecer alguns parâmetros constitucionais, como são os casos dos limites “temporais” ao abrigo do art. 235.”, salvaguardando a decorrência de um prazo mínimo de 5 anos, salvo nos casos extraordinários a todo tempo desde que haja deliberação de 2/3 dos deputados em efectividade de funções, limites “materiais” a luz do art. 236.”. Estes, segundo a doutrina do direito constitucional apresentam-se como a ossatura de qualquer texto constitucional, o que quer dizer que, qualquer revisão deva necessariamente obedecer os mesmos limites.
Quanto a eles, há um aceso debate onde apresentam-se duas grandes teses, a que defende a revisibilidade dos limites materiais e a outra que nega (por agora não é o nosso foco de apresentarmos a nossa posição), e por último os limites “circunstanciais” art. 237.”- significando que o texto constitucional não deve ser alterado verificando-se as situações de exceção constitucional, mormente o estado de guerra, de sítio e de emergência. Pelo acima exposto, face a legitimidade constitucional que assiste ao Presidente da República a luz do art. 233.”, pode vislumbrar-se que estamos perante ao respeito dos respectivos limites.
O que é o poder constituinte derivado?
Chama-se poder constituinte derivado aquele poder que tem a faculdade de rever, alterar ou reformar uma Constituição, portanto, este é antecedido de um outro poder constituinte, que é o poder constituinte originário que fez inicialmente uma Constituição ex novo sem nunca antes existir uma outra segundo a teorização feita pelo teórico Francês “Emmanuel Sieyès”, citado por Jonatas Machado e Esteves Hilário (Direito Constitucional de Angola, CE, 2” edição, p. 31).
O que é uma Revisão Pontual?
Para a doutrina do direito constitucional não existe a expressão “revisão pontual”, sendo no entanto, o que existe é apenas uma revisão ordinária e extraordinária da constitucionalidade. E a expressão usada pelo Presidente da República ainda que se admita no sentido “figurativo” não encontra acolhimento por mais que na sua lógica a mesma visa apenas a clarificação de determinadas matérias. A verdade porém é que, para a ciência do direito constitucional existem apenas dois modos de revisão: revisão parcial e total (Cfr. Raul Araujo, Introdução ao Direito Constitucional Angolano, CEDP/UAN, p. 64, 2018). E é nessa primeira onde a expressão “pontual” ganha sentido mas ainda assim, nunca deverá ser a premissa principal do seu enunciado sob pena de cometer-se um erro crasso a luz da dogmática constitucional.
Mérito da Revisão Constitucional
Somos inicialmente a aplaudir a coragem sobre a iniciativa da revisão da constituição por parte do Presidente da República, visto que a Assembleia Nacional não teve a mesma coragem de iniciativa, talvez porque a maioria parlamentar pertence ao partido do Presidente da República que deve obediência à disciplina partidária. 1- Neste mesmo âmbito, é deveras importante a iniciativa de conferir independência ao BNA para que ele possa conduzir os destinos da política monetária e cambial do país. Mas também, estamos cépticos com esta independência através do clima de ingerência que esse país nos acostumou desde 1975 aos nossos dias, onde essa mesma instituição serviu de baluarte para o desvio e envio de milhões e biliões de dólares para o exterior do país, ainda assim, vale confiarmos numa nova Angola. 2- Um outro aspecto tem que ver com a intromissão das g) e h) ao art. 162.”, visando com isso, criar uma cultura de fiscalização ao Executivo através de audições, interpelações e as comissões parlamentares de inquérito.
Quanto a este último, o mesmo surge depois do badalado acórdão 319/13 (sempre defendi que o Tribunal constitucional havia tomado uma decisão correta) que clarificou e julgou inconstitucional as normas do regimento interno da Assembleia Nacional que interpelava os auxiliares do titular do poder Executivo onde se disse que face ao Sistema de Governo vigente que é de base Presidencial nos termos do art. 108.” CRA, os auxiliares do Presidente da República exercem poderes delegados e não próprios, avançando ainda que não há no texto constitucional nenhuma norma expressa que manda tais interpelações e audições como meio de fiscalização do Executivo. Entretanto o único meio previsto é o estatuído pela al. b) do art. 162.” CRA, através da conta geral do Estado e de outras instituições. (Estávamos/estamos perante a uma fiscalização inexistente na minha óptica, basta vermos os crimes de peculatos que são hoje julgados mas que no passado a Assembleia Nacional e o Tribunal de Contas davam pareceres favoráveis à eles).
Na senda desta proposta, existirá apenas uma responsabilidade jurídica que pode resultar da indiciação dum crime a um subalterno do titular do poder Executivo. Mas também, com essa nova perspectiva não significará no entanto um ganho visto que estar-se-á diante duma fiscalização sem consequências políticas, como por exemplo ocorre nos sistemas semipresidenciais ou parlamentares onde a não concordância de determinados actos abusivos de gestão do governo daria lugar a sua demissão. Entre nós tal não se verificará, primeiro porque os auxiliares exercem poderes delegados e segundo porque o Executivo é um órgão político singular que não deve responsabilidade política perante a Assembleia Nacional, situação diversa da Lei Constitucional de 1992 (onde o governo podia ser censurado pela Assembleia Nacional sempre que se despoletasse um processo de monção de censura aprovado por 2/3 dos deputados a luz do art. 116.” LC) situação que acarretaria consequências políticas graves.
Quanto a este ponto, temos a destacar os seguintes:
1- É bastante repugnante e atentatório ao Estado de direito, a proposta versada sobre os Tribunais inferiores nos termos do art. 176.” da propalada proposta. Os Tribunais, quer inferiores ou superiores são todos soberanos, aliás, a actual configuração é bastante evolutiva e não carece de clarificação atípica como se depreende, ao afirmar-se no seu n” 8 que exercem apenas a soberania no momento da tomada de decisões. Que aberração! Jamais se deva admitir tal situação, ainda bem que é apenas uma proposta, pelo menos há tempo de evitar-se tal descuido legislativo e vergonha internacional.
2- Não precisamos ter o Conselho Superior da Magistratura Judicial como ente que representa todos os Tribunais. Porquê isso? Se estamos diante dum órgão com funções meramente administrativas em toda parte Globo? Este mal hábito de sermos atípicos e suigeneris não deve nos levar a retrocessos dos ganhos da consagração do Estado moderno isto no século XVII. Os órgãos de soberania são apenas 3 conforme o art. 105” CRA. Não inventemos mais.
3- Não restam dúvidas cá e noutras paragens que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal de Justiça como devia ser apelidado) é o Tribunal superior da jurisdição comum. Agora, admitirmos por meio protocolar que o Tribunal Supremo seja superior em relação ao Constitucional e com a tese de que este é apenas um Tribunal especializado é dos piores pecados jamais perdoados pela dogmática constitucional. A esse respeito, face à construção dogmática feita por Kelsen, segundo o Professor Jorge Reis Novais, o Tribunal Constitucional desempenha um papel de legislador negativo no sentido de revogar e invalidar lei inconstitucional e garante dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, (Direitos Fundamentais e justiça constitucional em Estado de direito e democrático, Coimbra Ed. P, 191). Será isso pouco relevante?
4- Admitir que se retire o n”1 do art. 242.” CRA, só prova que o MPLA e o Presidente da República não querem admitir que a oposição (e sobretudo a Unita que havia apresentado o princípio do gradualismo na sua proposta de Constituição) e a sociedade civil defensora da realização das eleições autárquicas em todo país sempre tiveram razão. Não é elegante e nem lógico relegarem essa matéria para Assembleia Nacional e aproveitando-se da sua maioria para imporem a vontade do gradualismo geográfico, violando o princípio da igualdade art. 23.”, combate a assimetrias regionais e a não discriminação de povos em razão do seu subdesenvolvimento.
5- Depois de tantos e acesos debates de que continuamos a violar a CRA nesse estado de calamidade pública, eis que alguém “soprou” ao Presidente da República que deve introduzir essa questão na sua revisão. Infelizmente como tem sido hábito em Angola, parecendo que há uma cultura de atipismo, a situação de calamidade pública faz-se presente na proposta como elemento extraordinário mas procurou-se usar a expressão “condicionar” direitos, liberdades e garantias fundamentais, o que pra nós é novidade em toda dogmática constitucional versada sobre essa matéria. Caso para dizer que é triste ver na proposta ao abrigo do art. 58.”, o proponente em vez de manter e admitir a expressão “restrição ou limitação” vem com a palavra “condicionar”, o que significa na prática? (Remeto a todos, Cfr. Cristina Queirós, Direito Constitucional, Coimbra Editora, p. 354-355).
A revisão constitucional é um mecanismo que visa reformar uma constituição fazendo com que a mesma siga a dinâmica social. Para a presente proposta de revisão, dúvidas inexistente que o seu proponente pretende que haja uma revisão parcial e não total. Era bom que fosse convocado um referendo para que dentre várias matérias se buscassem as principais que fossem do consenso do povo para a sua revisão. Com a introdução das audições, interpelações, comissões parlamentares de inquérito e partilha na nomeação do Presidente do BNA, o Presidente da República procura freiar os seus excessivos poderes introduzindo a figura do “Check and balance” apesar de estar ainda distante disso mas é um dos indicadores. Surpreende-me não aparecer na proposta de “clarificação” a “clarificação” da al. f) do art. 186.” CRA que por sinal veio hoje a ser pisoteada pelo novo CPP. Em suma, sendo a primeira revisão não seria possível o proponente colocar todas as dúvidas e querê-las introduzidas pelo legislador constituinte originário na medida que isso redundaria numa revisão muito mais consentânea e complexa mas também, é neste momento em que o país deve unir-se para o aperfeiçoamento do seu texto e não continuarmos com imposições como se outros fossem menos importantes. Aliás, ensina o Professor Jorge Miranda que a Constituição é sempre o reencontro dos povos num texto formal inicialmente material. Se eu fosse o proponente, para além do conteúdo que mereceu o nosso mérito, solicitaríamos o seguinte:
1- Eleição directa do Presidente da República.
2- Clarificação do modelo para a sua eleição (porque a actual CRA fala apenas de maioria para a sua eleição e nesse caso, se um Presidente vencer com maioria relativa, pelo menos até com 49”/. O pais pode entrar num caos político).
3-Clarificação do poder tradicional.
4- Qualquer nomeação de um auxiliar do titular do poder Executivo devia ser censurada pela Assembleia Nacional, como ocorre nos EUA traduzindo-se num verdadeiro check and balance.
5-Que os partidos políticos deixassem de indicar qualquer JUIZ e fosse apenas da responsabilidade do Conselho Superior da Magistratura Judicial (abandonaríamos o mau legado do constitucionalismo Português).
6-Que a composição da CNE fosse paritária e o seu Presidente fosse indicado pelo CSMJ com a anuência final da Assembleia da Nacional. Os outros pontos deixo ao critério do leitor.
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