Fonte: JÁ
Apesar de ter optado pela abstenção, na votação da Proposta de Revisão Constitucional, a UNITA considera que o facto de os angolanos no estrangeiro poderem votar a partir das próximas eleições gerais, foi feita justiça, neste aspecto.
Em declarações ao Jornal de Angola, para pronunciar-se sobre a aprovação, no dia 22 de Junho, da Proposta de Revisão Constitucional, a segunda vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA lamentou, entretanto, o facto de, durante o debate, na especialidade, a sugestão do partido de criação de um círculo eleitoral para o exterior não ter sido aceite pelos deputados da bancada maioritária.
Para o referido círculo, a UNITA propunha cinco deputados, sendo dois para África, dois para Europa e um para o resto do mundo. Em resposta a esta proposta, o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, afirmou, durante as discussões, que o país não tem condições financeiras para suportar um círculo eleitoral específico para a diáspora angolana.
Ao Jornal de Angola, Mihaela Webba duvidou da justificação dada por Adão de Almeida. Acredita que o país tem, sim, dinheiro, evocando, como justificação, os casos de corrupção. “Por uma questão de justiça, os cidadãos no exterior do país deveriam ter um círculo eleitoral”, insistiu.
Para a constitucionalista, há um retrocesso democrático, que persiste na revisão constitucional, pois, lembrou, em 1992, havia um círculo eleitoral no exterior com três deputados, sendo dois em representação de África e um para o resto do mundo. “Ainda não foi desta vez que se repôs a justiça, para estarmos como em 1992”, lamentou.
MPLA: “Círculo eleitoral na diáspora não é urgente”
O partido maioritário considera, neste momento, a criação de um círculo eleitoral no estrangeiro não é necessidade urgente. O importante, segundo a deputada Lurdes Caposso, do MPLA, é que se deu o direito ao voto aos cidadãos na diáspora. Lurdes Caposso esclareceu que, quem vive no exterior, pode ser eleito no círculo nacional ou provincial. “Desde que o cidadão residente no exterior tenha ligações fortes com um dos partidos em Angola e que consiga ser inserido no círculo nacional deste partido, pode ser votado e eleito como deputado”, disse. Para a deputada, o Executivo (ou o seu Titular) “foi bastante feliz”, por ter proposto apenas o direito de voto. Disse ser preciso cumprir o princípio da igualdade e da universalidade de direitos.
Admitiu que há pessoas que acham que este princípio está a ser violado porque não existe o círculo eleitoral na diáspora, tal como existia na Lei Constitucional de 1992”. Esclareceu, entretanto, que, em 1992, o país ainda vivia um clima de guerra e precisava de resgatar muitos dos políticos que viviam no exterior para “entrarem nos seus círculos eleitorais da diáspora e fazerem-se representar na Assembleia Nacional”.
“Neste momento, o país já vive um clima de paz e estabilidade, logo, o que gostaríamos é que os cidadãos angolanos residentes no exterior exercessem primeiro o direito de voto activo lá, inserindo-se em lista do círculo eleitoral nacional, como prevê o artigo 144º da Constituição”, acrescentou.
CASA-CE: “O mais importante é o voto no estrangeiro”
Seguindo a lógica do provérbio segundo o qual “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”, a CASA-CE, terceira maior força política no Parlamento, considera que a oposição não deve lamentar o facto de não se ter aprovado a criação de um círculo eleitoral no estrangeiro.
Para Alexandre Sebastião André, líder do grupo parlamentar da coligação, “o mais importante, nesta fase, foi o alargamento do voto aos angolanos na diáspora”.
“Vale nos conformarmos com o voto na diáspora e não temos nada que exigir a criação do círculo eleitoral no estrangeiro”, afirmou o deputado, admitindo, ainda assim, que, caso fosse possível, seria uma mais valia, pois os angolanos na diáspora teriam representantes na Assembleia Nacional.
Alexandre Sebastião André considerou que, apesar de alguns avanços e recuos, a Proposta de Revisão Constitucional trouxe algumas novidades positivas, fundamentalmente na extensão da votação aos eleitores na diáspora. “Este é um avanço porque há muito que defendemos que a votação se estendesse à diáspora. Finalmente fomos atendido”, congratulou-se.
Um outro progresso, segundo o deputado, é o facto de ter-se determinado que, nas vésperas das eleições, a acção do Presidente da República se circunscrevesse à mera gestão dos assuntos do Estado, sem inaugurações. “Isso é muito bom, porque, nas eleições anteriores, víamos o Presidente da República a praticar actos de Estado que configuravam mais propaganda que outra coisa”, disse.
Afirma Lurdes Caposso, do MPLA
Mudanças no BNA vão obrigar à prestação de contas”
A deputada Lurdes Caposso afirmou que autonomia do Banco Nacional de Angola, que surge com a revisão da Constituição da República, reforça o papel do BNA como entidade administrativa independente, traz maior liberdade democrática e a obrigação de prestação de contas.
Como inovação, a deputada do MPLA referiu-se, igualmente, ao facto de o governador e vice-governadores do BNA terem de ser eleitos.
Relativamente à prestação de contas, referiu que o governador deve passar a enviar, ao Presidente da República e a Assembleia Nacional, um relatório anual sobre a evolução dos indicadores da política monetária e cambial no país.
“Sentimos que há, claramente, uma evolução muito grande do BNA como entidade administrativa independente”, ressaltou Lurdes Caposso, para quem haverá uma independência funcional, material e formal.
Para a parlamentar, com a aprovação da Proposta de Revisão Constitucional, os deputados contribuíram no avanço do sistema financeira e económico do país. Lembrou que a Assembleia Nacional tem já a proposta da futura Lei do BNA, cuja análise e discussão ficaram suspensas para melhor enquadramento, nos termos da Constituição revista.
UNITA quer ver para crer
Ao que tudo indica, a UNITA quer ver para crer na autonomia do BNA. A deputada Mihaela Weba disse que, do ponto de vista formal, o Banco Central passa a ser independente do Executivo, mas citou Mao Tse Tung, para afirmar que “a prática é o critério da verdade”.
Disse existirem no país órgãos que a lei tipifica-os como independentes mas que não o são. “Vamos almejar que o nosso BNA possa, de facto, ser uma instituição independente”, desejou.
Algumas dúvidas também foram apresentadas pelo presidente do grupo parlamentar da CASA-CE. Alexandre Sebastião André entende que, para que o BNA seja verdadeiramente autónomo, o seu governo deve ser nomeado através de concurso público.
O deputado defende que o BNA deve ter autonomia para definir as políticas inerentes à boa gestão fiscal, financeira e económica do país.
JURISTA ALBANO PEDRO
“Não é viável, nem tem utilidade, a criação de círculo eleitoral na diáspora”
A criação de um círculo eleitoral para a diáspora foi um dos pontos que mais polêmica gerou durante as discussões sobre a revisão pontual da Constituição. Apesar de ter sido aprovada a possibilidade dos angolanos na diáspora votarem a partir das eleições gerais de 2022, a oposição parlamentar, com a UNITA à testa, defendia, também, a aprovação de um círculo eleitoral para a eleição de deputados que representassem os angolanos no estrangeiro.
Em entrevista ao Jornal de Angola, o constitucionalista Albano Pedro considerou que esta pretensão “não é viável, nem tem utilidade”, até porque não são muitas as experiências pelo mundo deste tipo de representação trans-territorial.
O jurista acredita que, por não ser vastamente acolhida pelo mundo, a implementação de círculos eleitorais no estrangeiro demonstra que não tem sido apetecível e nem é útil. “Portanto, no meu entendimento, por não ser uma representação útil que venha agregar valor à própria representação política da diáspora, ela é completamente descartável e ficaríamos apenas pela possibilidade do voto, que não precisa da criação de círculos eleitorais”, defendeu.
O que deveria ter acontecido na nossa Constituição e até na ordem jurídica, sugeriu, era os angolanos no exterior não representarem círculos. “Não é necessário que sejam considerados angolanos na diáspora, porque cada angolano que se encontra no estrangeiro saiu de uma determinada província”, sustentou.
Para Albano Pedro, mesmo estando na diáspora, os angolanos poderiam, muito bem, estar integrados nos círculos provinciais. Sugeriu que aqueles cuja representação no círculo provincial levantasse dúvidas poderiam ser enquadrados no círculo nacional.
“Ou seja, apesar de estarem no exterior do país, os angolanos poderiam votar como se estivessem no território nacional, sem se fazer uma menção clara de que são angolanos na diáspora. Quando tivessem de votar seriam todos considerados nos círculos provinciais e nacional e aqui estaríamos a trazer a ideia da representação provincial e nacional dos deputados, embora esta representação, em tese, tivesse de ser protagonizada por angolanos dentro do território nacional e na diáspora”, sugeriu.
Albano Pedro evocou a falta de participação útil dos deputados da diáspora para defender a não criação de um círculo eleitoral para os angolanos nos estrangeiro.
“A questão que se coloca é: que interesse é que estes deputados defenderiam junto do Parlamento estando eles a representar a diáspora?”, questionou. Ao duvidar da eficácia do círculo eleitoral na diáspora, o constitucionalista apontou a seguinte hipótese prática: “se um deputado que representa o círculo europeu, por exemplo, estiver na Assembleia Nacional, naturalmente terá de apresentar os problemas que os angolanos passam neste círculo.
A questão que se colocaria é saber se os problemas que ele apresentaria e que fossem, eventualmente, sujeitos à recomendação da Assembleia Nacional ao Executivo, este (Executivo) teria ou não a possibilidade de os resolver, tendo em conta que esbarrar-se-ia com a questão da soberania dos Estados em que tais problemas ocorrem”
Numa outra hipótese em que alguns angolanos na Alemanha tivessem sido vítimas de expropriação de alguns bens pelo Governo alemão, Albano Pedro questionou qual seria o poder do Estado angolano – que executa políticas públicas com base no seu poder de império – de impor ao Governo alemão para que devolvesse, por hipótese, o património que foi surripiado aos cidadãos angolanos. O jurista não tem dúvida de que a participação útil dos deputados na diáspora estaria em causa.
Albano Pedro aponta um outro problema que surgiria, caso se criasse um círculo eleitoral no estrangeiro: a da participação numérica dos parlamentares. Trata-se do problema de saber quantos deputados representariam a diáspora e como seria feita a distribuição.
“Creio que havia uma proposta da UNITA no sentido de a Europa e a África apresentarem, cada um, dois deputados. Mas para o resto do mundo parece-me que a UNITA terá colocado apenas um deputado para a Ásia, América e Oceania. Ora, isso, obviamente, traz problemas de representação proporcional, por um lado, e, por outro, viola os princípios constitucionais da universalidade e igualdade”, lembrou. “Se a África e a Europa far-se-iam representar com dois deputados cada, a Ásia também devia ser por dois, assim como a América e a Oceania”, defendeu.
Entretanto, sublinhou, ainda que assim fosse, depois levantar-se-ia uma questão: a de saber se bastaria uma representação continental ou se seria por países. “Por exemplo, se tivermos uma diáspora considerável na Alemanha, os angolanos neste país desejariam, certamente, fazer-se representar por um deputado e não genericamente representando a Europa. E aqui, consultando os núcleos das diásporas, viriam outras propostas e, certamente, nos levariam a indicar um deputado por país, e isso, do ponto de vista numérico, tornar-se-ia insustentável”, previu.
Segundo Albano Pedro, não é possível termos representações de vários países na Assembleia Nacional porque isso engordaria desnecessariamente o número de deputados e até tornaria impraticável o exercício da deputância no Parlamento.
“O Presidente está de parabéns”
Relativamente à possibilidade do voto da diáspora nas eleições gerais e até mesmo autárquicas, o constitucionalista Albano Pedro disse tratar-se de uma “recuperação bondosa” daquilo que já tinha sido previsto na Lei Constitucional de 1992 e que, por razões de “mera ponderação política”, deixou de ser viabilizado, à luz da Constituição de 2010 e das leis de Registo Eleitoral e das Eleições que se sucederam a 1992.
“Estamos perante uma situação de reposição de direitos que foram sonegados aos angolanos na diáspora. Neste sentido, estamos perante uma medida de boa ponderação do Presidente da República, que propôs esta revisão ou aditamento na Constituição”, realçou o jurista, para quem o Presidente João Lourenço pode ser parabenizado porque, por sua iniciativa, conseguiu que os angolanos no estrangeiro pudessem votar.
Albano Pedro disse ter sido cumprida a palavra de “repor muitas daquelas situações que a governação passada, conduzida pelo Presidente José Eduardo dos Santos, evitou fazer em prol dos angolanos”. Essa reposição, considerou, é um grande ganho para a nossa democracia, uma vez que representa a possibilidade de todos os angolanos, independentemente de estarem ou não no território nacional, votarem.
“Isto tem de nos alegrar e neste aspecto não é expectável que hajam posições contrárias. Os angolanos, de uma maneira geral, devem estar de acordo de que foi uma medida muito boa e das mais oportunas que foi tomada. É uma das medidas mais unânimes possíveis que se podiam tomar dos vários pontos que foram sujeitos à revisão na Constituição da República”, concluiu.
“Autonomia do BNA ajuda na consolidação da democracia”
No âmbito da revisão constitucional, o Banco Nacional de Angola (BNA) passa a ter autonomia perante o Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo. Entretanto, o jurista Albano Pedro sublinhou, em entrevista ao Jornal de Angola, que esta autonomia é meramente administrativa e não política.
Com a revisão introduzida na Constituição, disse, passamos a ter uma direcção do BNA com maior folga na prática de certos actos que decorrem da sua obrigação prudencial, enquanto instituição de supervisão do sistema financeiro e bancário nacional.
“O Banco deixa de ter uma dependência muito directa e imediata do Titular do Poder Executivo, sobretudo na prática de actos de natureza administrativa. Temos, neste sentido, um ganho”, reconheceu Albano Pedro.
A mesma análise é feita por outro jurista, Hélder Samoli, para quem o BNA passa a ser classificado como uma espécie de “autarquia de natureza especial”, pois tem autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira. Cabe-lhe apenas apresentar à Assembleia Nacional um relatório sobre a evolução dos indicadores de política monetária, para efeitos de controlo e fiscalização. O também advogado considerou importante a autonomia do BNA, pois ajuda na consolidação da democracia, limitando a influência das agendas político-partidárias sobre as decisões que devem ser primariamente de natureza técnica. Para Hélder Samoli, a revisão da Constituição, nomeadamente o ponto referente à autonomia do BNA, “é uma vitória para Angola (…)”, pois o Banco Central “terá espaço para suavizar as flutuações do PIB e do desemprego, mantendo o olho em objectivos de longo prazo”.
Albano Pedro sublinhou, entretanto, que, apesar da revisão ocorrida, não se pode falar numa autonomia política do BNA, sobretudo do ponto de vista monetário e cambial, que são os instrumentos de acção política do Banco Central.
O constitucionalista sustentou a sua tese lembrando que o Sistema de Governo adoptado por Angola trás à tona a figura do Titular do Poder Executivo, que, à luz da Constituição, passa a ser o responsável máximo e único do Governo. “Não é possível, à luz dessa figura, haver alguma autonomia de natureza política de qualquer órgão que seja, porque desapareceu o Conselho de Ministros, enquanto órgão que reunia os responsáveis para a execução de políticas públicas, nomeadamente os ministros e o governador do Banco Nacional”, referiu.
Hoje, disse, já não se pode falar em autonomia política, porque os ministros já não são politicamente responsáveis, na medida em que não são membros do Governo, mas meros auxiliares do Titular do Poder Executivo.
“A responsabilidade política está agora afunilada numa única pessoa, que é o Presidente da República. Logo, toda a actividade política do Executivo gira em torno das decisões imediatas e directas do Presidente da República. Nenhum outro membro que faz parte do tronco do Poder Executivo é politicamente responsável”, sublinhou.
Neste sentido, Albano Pedro concluiu que “o BNA, enquanto órgão de execução da política cambial e monetária em Angola, não goza de qualquer autonomia (política) porque esta responsabilidade, à luz da nossa Constituição, é depositada ao Presidente da República”.
Ainda assim, o jurista reconheceu que, antes da revisão da Constituição, o BNA tinha uma dependência muito grande do Titular do Poder Executivo, do qual recebia orientações muito directas e imediatas que, naturalmente, tinham em causa a gestão prudencial das actividades de supervisão da banca nacional, sistema bancário e até em questões de política monetária e cambial.
Isso, referiu, punha em causa o desempenho da economia e, nalguns aspectos, traduzia-se no desequilíbrio do próprio sistema financeiro nacional.
Bernardino Manje
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