A Cedesa, que reúne académicos que analisam assuntos de Angola, propõe que a reestruturação do Tribunal Supremo angolano passe pelo aumento do número de juízes, uma nomeação transparente do presidente e juízes visitantes de outros países.
“A primeira medida é quantitativa, mas necessária, face aos atrasos e imperativo de renovação técnica e geracional do Tribunal Supremo [TS]”, considera a Cedesa, apontando que, neste momento, aquela entidade jurídica tem um quadro de 21 juízes, que está a ser alargado para 31, o que na sua opinião é um aumento “insuficiente”.
Espanha, com uma população mais semelhante à de Angola, “tem 71 magistrados no seu Tribunal Supremo”, exemplifica o grupo de académicos da Cedesa, que coloca em 50 o “número adequado de juízes, que permitirá uma forte renovação, tão imperativa, deste tribunal”.
Uma racionalização das câmaras do TS que vá mais ao encontro das necessidades efetivas da sociedade é a segunda medida proposta pelos académicos.
Neste momento, a lei prevê cinco câmaras do TS: a Câmara Criminal, a Câmara do Cível, a Câmara do Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, a Câmara do Trabalho e a Câmara da Família e Justiça Juvenil.
“No entanto, parecem estar apenas em funcionamento as câmaras Criminal, Civil e Administrativa e do Trabalho”, refere aquela entidade no documento, sugerindo “uma racionalização das câmaras de acordo com as necessidades efetivas da sociedade”.
Segundo o grupo de académicos, deveria haver uma Câmara Criminal, uma Câmara Civil, que englobaria assuntos de Família e Menores, uma Câmara Social (trabalho, segurança social e afins), uma Câmara Administrativa e Fiscal, e uma nova câmara dedicada aos Assuntos Económicos.
Esta Câmara de Assuntos Económicos teria duas secções, uma de Contencioso Comercial para lidar com os grandes contratos com relevância para o , e outra de Crimes Económico-Financeiros, especializando-se apenas no julgamento de crimes como a corrupção, branqueamento, peculato e outros do mesmo tipo.
A terceira medida proposta no relatório é um modelo transparente de nomeação do presidente do TS, com uma audição na Assembleia Nacional.
“Os dois mais recentes presidentes do Tribunal Supremo [Rui Ferreira e Joel Leonardo], por razões diferentes, têm sido alvo de muita contestação. Aliás, Rui Ferreira demitiu-se devido a essa contestação enquanto Joel Leonardo tem dificuldade em gerir os seus pares”, recorda a Cedesa na análise.
Atualmente o presidente do Tribunal Supremo é nomeado pelo Presidente da República, de entre três candidatos selecionados por dois terços dos juízes-conselheiros em efetividade de funções, para um mandato de sete anos não renovável.
No entanto, “deveria ser introduzido um mecanismo adicional na nomeação, semelhante ao adotado na recente revisão constitucional em relação ao governador do Banco Nacional de Angola”, com a audição pelos deputados, que emitiriam um parecer, defende no relatório.
Por último, a Cedesa sugere a imparcialidade e independência no TS com um modelo semelhante ao do Botsuana, com juízes visitantes.
“Uma das críticas que mais se ouve acerca do poder judicial em Angola é sobre a sua falta de independência ou pouca imparcialidade, seja perante o executivo, seja perante mais fortes/poderosas”, afirma aquela entidade, citando com um exemplo “descomplexado” aquele que durante muitos anos foi utilizado no Botswana.
Para o grupo de académicos, aquele modelo “em nada diminuiu o orgulho nacional ou soberania”, e, pelo contrário, “aumentou o prestígio do seu sistema de governo”.
No Botsuana até 1992, no Tribunal Superior (‘High Court’) – o segundo mais importante na hierarquia dos tribunais -, os juízes eram estrangeiros expatriados nomeados, com contratos curtos de dois a três anos. No Tribunal Supremo (‘Court of Appeal’), ainda um terço dos juízes são juízes visitantes.
“Quer isto dizer que algo de semelhante se poderia pensar para Angola, isto é, guardar algumas vagas no Tribunal Supremo [talvez um quarto] para juízes ou juristas de mérito, contratados no estrangeiro com contratos suficientemente longos para lhes garantir a independência, mas não renováveis”, defendeu a Cedesa, para quem o período contratual poderia ser de cinco a sete anos.
De acordo com o grupo de académicos, os juízes visitantes “teriam exatamente os mesmos poderes e competências que os outros juízes, apenas não poderiam ser presidentes ou vice-presidentes do tribunal. Contudo, poderiam ocupar a função de presidente de câmara ou qualquer outra e seriam recrutados em países da SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral] e da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]”.
Alargando desta forma o Tribunal Supremo a juízes visitantes, “poder-se-ia abrir uma janela de renovação doutrinária e garantia de imparcialidade com juízes de outros países suficientemente próximos, mas adequadamente afastados”.
Segundo a Cedesa, esta poderia ser uma medida “provisória por 10 ou 15 anos”, que permitiria “criar um corpo alargado de debate judicial com várias visões, algumas tendencialmente independentes, que permitiria um diálogo mais frutífero na criação de um direito justo”.
A Cedesa considera que não se afigurando possível pensar, neste momento, numa revisão constitucional em Angola, a reforma do TS “deve ser feita no quadro da Constituição em vigor”, porque é necessário que avance o mais rapidamente possível.
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