“Não me sinto mais útil no meu MPLA… Pior, já nem tenho mais ilusões”, diz, Francisco Viena, militante histórico dos Camaradas, em carta dirigida ao presidente do MPLA, João Lourenço, datada aos 17 de Junho, ao desvincular-se do seu partido.  

Ao Camarada Presidente

General João Manuel Gonçalves Lourenço

Assunto: Desvinculação do Partido MPLA

Viana, aos 17 de Junho de 2022

Estimado Camarada Presidente,

Antes de mais faço votos de uma boa saúde e de sucessos nas importantes tarefas que lhe estão acometidas.

Serve a presente para solicitar, com muita pena minha, a desvinculação formal e imediata, da minha qualidade de militante do MPLA, qualidade esta que adquiri, pela mão do Camarada Hoji-Ya-Henda, nessa altura de passagem por Argel, nos finais dos anos 60 e com quem tive a honra de partilhar momentos memoráveis, verdadeiras aulas de Patriotismo, que contribuíram para formar o meu carácter revolucionário e para a minha adesão à Causa da Luta de Libertação Nacional. Isso tudo, na Varanda do Bureau do nosso Movimento, em Argel… Nessa altura o nosso lema era: Vitória ou Morte… e foi assim que me tornei um Convicto Pioneiro do MPLA, com apenas 8 anos…

Fui, ao longo dos anos, cultivando e consolidando esta Nobre Causa e forma de vida Patriótica, procurando honrar os meus antepassados, nomeadamente o meu Avô Paterno, natural do Golungo Alto e Fundador da Liga Nacional Africana: Gervásio Ferreira Viana, o meu Pai, Gentil Ferreira Viana, natural de Luanda, Militante de Primeira Hora do MPLA, bem como a minha Mãe: Ângela Guimarães, natural de Lourenço Marques e Nobre Internacionalista Portuguesa, apoiante da nossa Luta de Libertação Nacional, assim como os meus tios do Nacionalismo Africano e de todos aqueles que, sofrendo a opressão, foram lutando, pelo mundo fora, pela sua Liberdade, pela sua Dignidade, Auto-determinação e Felicidade.

Ao longo dos mais de cinquenta anos de militância consciente e activa, procurei sempre cumprir com zelo e patriotismo, o Programa do MPLA, em Prol do Desenvolvimento Integral do Homem e da Mulher Angolana e Africana… e consequentemente da Humanidade.

Enquanto membro do Comité Provincial de Luanda e da respectiva Comissão Executiva, procurei, sempre, contribuir com ideias e propostas construtivas, na esperança de podermos, juntos, construir um MPLA, forte, coeso e alinhado, na teoria e na prática, aos ideais da Liberdade, Fraternidade e Igualdade, num espirito de Inclusão, procurando melhorar o que está bem e corrigir o que está mal, tudo em Prol de Uma Angola Melhor, Unida na Diversidade.

Infelizmente, cheguei a conclusão que o meu contributo no MPLA, junto a determinadas esferas, não é apreciado, nem bem-vindo e que a minha insistência acabou por atrair ódios e incompreensões… tendo acabado por ser afastado, compulsivamente, da Comissão Executiva, sem nunca ter sido notificado para o efeito.

Propus várias iniciativas, que nunca foram aceites, as vezes nem me deixaram concluir o raciocínio. Apresentei propostas propondo melhoramentos na actuação do Partido para uma estratégia de combate a corrupção, propostas para um maior e melhor apoio aos jovens, as mulheres e aos antigos combatentes e veteranos da pátria, defendi uma maior participação das populações na gestão da coisa pública, defendi a realização, urgente, das eleições autárquicas, para todos e em todo o território nacional. Acabei por concluir que não me queriam ali para pensar, mas sim para enfeitar a plateia e para obedecer, o que me deixou desmotivado e a precisar de esclarecimentos…

Perante os factos acima relatados, procurei, por várias vezes, altos responsáveis da Direcção do Partido, nomeadamente do Bureau Político a quem apresentei as minhas preocupações, não tendo obtido qualquer apoio ou mesmo respostas às mesmas. Consequentemente procurei, por diversas formas, comunicar com o Estimado Camarada Presidente, mas aqui também não obtive qualquer resposta, o que me leva a concluir, que o meu contributo não é aceite, nem bem-vindo, ao nível da Direcção do MPLA.

Estimado Camarada Presidente, ingressei nas FAPLA, onde fiz o curso de Comandos (Antigas Boinas Azuis, vindos do CIR da Gabela), no Grafanil, com apenas 16 anos. Fiz Isso, Correspondendo ao Apelo à Mobilização Geral ordenada pelo nosso Camarada Presidente Agostinho Neto, isto em 1975. Fui nomeado Comissário-Político Adjunto. Só saí das FAPLA, no dia em que prenderam, injustamente, o meu Pai: o Comandante Afrik, Camarada Gentil Ferreira Viana, um dos mentores da Política de Reajustamento, que aconteceu na Frente Leste, nas matas, nas nossas bases revolucionárias.

Mantive-me estes anos todos no MPLA, apesar da prisão injusta e arbitrária do meu Pai: Gentil Ferreira Viana, que, sem julgamento, foi atirado para as masmorras do MPLA, por uns longos 3 anos, sem nenhum julgamento, na prisão de São Paulo, em Luanda e barbaramente torturado, tendo inclusivamente perdido uma vista, sendo de seguida expulso do seu próprio País, Angola, sem qualquer tipo de documentos de identidade. Isso tudo, só porque os Camaradas da Revolta Activa tiveram a coragem de apelar por mais democracia dentro do MPLA, de denunciar o excesso de culto da Personalidade ao Camarada Presidente Agostinho Neto, e ter solicitado ao Partido, mais transparência na gestão dos meios do MPLA… mesmo assim mantive-me no MPLA.

Até hoje, nem uma palavra sobre este lado vergonhoso e obscuro da História do Partido…

Quase cinquenta anos já passaram e nem um Pedido de Perdão aos Camaradas, nem as suas Famílias, nem uma explicação… Merecemos isso Camarada Presidente… Não queremos dinheiro… mas exigimos Justiça… Ninguém pode prender, torturar e expulsar um cidadão sem que haja um Julgamento… Justo e transparente…

Apesar do MPLA, não ter tido o bom senso de, no quadro de um Verdadeiro Diálogo, no seio da Grande Família do MPLA, assumir com coragem os seus erros e pedir perdão aos militantes da Revolta Activa e aos seus familiares, pelos danos causados e pelas perseguições injustamente sofridas, mesmo assim, mantive-me no MPLA, apesar de contrariado…não foi por medo, mas por convicção, acreditando que iria conseguir mudar o meu partido, o Partido do Meu Coração, por dentro… Infelizmente não consegui…

Estimado Camarada Presidente, conforme é do seu conhecimento, fui um dos mentores e co-organizadores do Congresso da Nação, recentemente realizado em Viana de 27 a 28 de Maio deste ano. Participaram nesse Congresso, os vários partidos políticos com e sem assento parlamentar, várias instituições religiosas, importantes e corajosos sindicatos e sindicalistas de Angola, e dos mais qualificados quadros do nosso País, todos juntos, para Pensar Angola, em prol de Um Projecto Angolano de Consenso…

O Congresso da Nação foi um sucesso e muito bem recebido e participado a nível nacional e internacional, tendo a ausência do MPLA sido entendida como uma falta de vontade de Diálogo com a Sociedade Civil…. e com o País.

Estimado Camarada Presidente como membro do MPLA, fiquei envergonhado, o que vale é que vários militantes e patriotas entenderam participar, o que acabou por salvar a Honra do Convento… Isso só confirma que o MPLA é um grande Partido e que ainda tem bons militantes, e que muitos dos quais não são nem bajuladores nem submissos. A não participação do MPLA no Congresso da Nação, bem como o facto do Chefe de Estado e do Governo não se ter feito representar, apesar das minhas numerosas diligências e insistências e convites foi o meu ponto de ruptura. Virar ostensivamente as costas à Sociedade Civil, As Igrejas e aos Partidos Políticos!!! Isso Não… Desta vez a Direcção do MPLA excedeu-se na sua arrogância…,

Essas foram as Gotas de Água que despertaram em mim o sentimento de fim de ciclo… não me sinto mais útil no meu MPLA… Pior, já nem tenho mais ilusões… O MPLA não vai mudar tão cedo. Acha que está tudo bem… O Rei Vai Nu… mas nem dá conta… Por isso tomei a decisão, de me desvincular do Partido da Minha Vida…

Este MPLA já não é o MPLA dos meus tios e das minhas tias, o MPLA da Luta de Libertação Nacional, onde pontificavam, de entre muitos outros, os Camaradas: Agostinho Neto, Mário de Andrade, Viriato da Cruz, Lúcio Lara, Paulo Jorge, Gentil Viana, Adolfo Maria, Amélia Mingas, Deolinda Rodrigues, entre muitos Patriotas de grande qualidade, todos com as suas qualidades e defeitos…. mas todos, com uma postura genuína de Patriotismo. Hoje, Temos cerca de 700 membros do Comité Central, mas tenho uma pergunta que não se cala! Quantos desses dirigentes serão realmente patriotas, verdadeiramente dedicados e sacrificados para uma Angola Melhor?

Estimado Camarada Presidente, os Angolanos querem Mudança, já ninguém aguenta mais cinco anos do mesmo… O Camarada Presidente entrou muito bem, fui seu apoiante incondicional, tanto no Partido, como na Sociedade. Levamos milhares de empresários ao seu Comício de Candidatura, isto em 2017… entregamos-lhe as nossas inquietações, as nossas propostas, prometeu mas não cumpriu com a sua promessa eleitoral, não conseguiu instaurar um verdadeiro Conselho de
Concertação Empresarial… empresários estão cada vez mais descapitalizados e desmotivados…

Os Angolanos estão a emigrar e os estrangeiros estão a voltar para os seus Países… Angola já não é um sítio bom para se viver… O Sonho Angolano… é uma miragem…

 Quem ganha dinheiro em Angola são uns poucos marimbondos e seus cúmplices estrangeiros… os outros nem vivem, tentam sobreviver e têm Auscultação e Económica e em Angola os medo de se exprimir, com medo de perder as poucas migalhas que na realidade raramente apanham… Estamos perante uma crise económica e social sem precedentes… a Corrupção e o Nepotismos estão longe de ser vencidos… O Povo sofre… O Dinheiro não circula… mesmo com o preço do barril de petróleo acima dos 100 USD Americanos…

Estimado Camarada Presidente, sei que a culpa não é só sua… A culpa é de todos nós: é dos opressores e dos oprimidos, é do MPLA dos Pobres e a do MPLA dos Marimbondos, uns porque roubam descaradamente, outros porque se deixam roubar covardemente… Uns porque mataram os nossos sonhos, outros porque deixaram de sonhar… e porque quem cala consente… já não quero mais fazer parte dos que calam… e dos que consentem… Angola e os Angolanos merecem muito mais e muito melhor… Vou fazer a minha parte…

Saio, para poder continuar a sonhar…. sonhar com a alternativa a esta Angola desequilibrada, uma alternativa a esta Angola sempre adiada, isto é, sonhar e lutar por uma Angola Melhor… Acredito que é possível os Angolanos se entenderem, falhar não é opção… a Guerra ou a Instabilidade Social, a violência e a intolerância também não… É urgente acordarmos Um Projecto Angolano de Consenso… Um Pacto da Nação.

Estimado Camarada Presidente, sei que é um Patriota e uma pessoa de bem. Nesta hora de saída e de coração partido, quero-lhe reafirmar o meu apreço pela sua pessoa, apesar de não ter conseguido, acredito que fez o seu melhor… Quero também reafirmar o meu respeito pelos muitos militantes do MPLA, que genuinamente deram e continuam a dar o seu tempo e amor por uma Angola Melhor.

Estimado Camarada Presidente, o destino de Angola está em grande parte nas suas mãos. A História já nos demonstrou, várias vezes, que são os Homens que fazem a grande diferença, entre levar um Povo para a Prosperidade ou mergulhar a Nação numa era de trevas, violência e instabilidade política… os recentes acontecimentos na Ucrânia são um exemplo negativo da falta de diálogo e de interesses egoístas…

Numa Sociedade Democrática, a Alternância Política deve ser encarada como um factor positivo e de consolidação das Instituições Democráticas… Perder uma eleição, tal qual acontece no desporto, não deve ser encarada como Humilhação, mas pelo contrário, pode constituir uma oportunidade de novas aprendizagens, de reajustes e de regeneração de ideias, de estratégias, de rumos e de comportamentos e de mudança de Lideranças…

Os Presidentes Mário Soares, em Portugal, Lula da Silva no Brasil e Pedro Pires em Cabo Verde, são exemplos de resiliência e de Democratas, que embora perdendo vários pleitos eleitorais, conseguiram colocar os interesses da Nação acima dos seus interesses pessoais… Sofreram derrotas… Celebraram vitórias… Mas foram Estadistas que ficaram na História… do bom lado da História… o Camarada Presidente será certamente lembrado como um Bom Presidente e nós queremos que fique também do Lado Bom da História. Está nas suas mãos, Estimado Camarada Presidente, na sua qualidade de Presidente da República, a quem todos devemos respeito… está na suas mãos assegurar, numa estreita parceria com as igrejas, com as instituições representativas da sociedade civil e com o apoio da Comunidade Internacional, a PAZ e umas Eleições Justas, Livres e Transparentes…

Saio do MPLA, triste, mas não acabado. E não deixarei de cumprir com os meus deveres de cidadão. Tão pouco deixarei de lutar pelos direitos da Nação… estarei presente onde precisarem mais de mim, onde souberem me ouvir e valorizar, farei o meu melhor para ser a Voz de quem não tem Voz, dando voz à Sociedade Civil.
Aproveito Estimado Camarada Presidente, para lhe desejar os melhores sucessos políticos nestas batalhas que se advém… Que Ganhe o Melhor. Aproveito ainda para me colocar à sua disposição, em tudo o que puder ser útil para a Paz e para a Prosperidade. Se o MPLA ganhar, justamente, as próximas eleições de 24 de Agosto, serei um dos primeiros a felicitá-lo.

Faço votos para que não leve a minha desvinculação como uma questão pessoal. Na realidade já o devia ter feito há muito tempo. Consigo, gostaria de manter uma amizade e fraternidade exemplar. Em qualquer dos casos, Angola precisa do Camarada Presidente, Angola também precisa do MPLA… Todos seremos poucos para construirmos, juntos, uma Angola Melhor…


Caso a vontade do Povo vá no sentido da Alternância Democrática, da qual me tornei num sereno adepto…, apelamos, tendo em conta o Alto Sentido de Estado, sempre manifestado por Vossa Excelência, para que faça cumprir a Lei Constitucional. E que a Assembleia Nacional possa tomar posse, na tranquilidade, para podermos, finalmente iniciar um novo período, rumo ao Desenvolvimento e à Felicidade, numa Nova Angola Próspera, Generosa e Inclusiva…

Grato pela atenção dispensada, queira Vossa Excelência aceitar os protestos da minha mais elevada consideração…


Francisco Viana

Compatriota, Patriota e Revolucionário

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