Primeiro foi aberto um inquérito-crime em Angola em 2019, depois foram abertos outros em Portugal a partir de 2020
Apesar de ser alvo de vários processos judiciais desde que o Luanda Leaks foi lançado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) a 19 de janeiro de 2020, Isabel dos Santos ainda não foi formalmente acusada de nenhum crime. Quer em Angola quer em Portugal, as investigações que têm estado a ser conduzidas pelos ministérios públicos de ambos os países prosseguem sem que pareça haver ainda um fim à vista.
Em Angola, onde a Procuradoria-Geral da República não respondeu a pedidos de esclarecimento feitos pelo Expresso e pela SIC, Isabel dos Santos começou por ser alvo de uma investigação preliminar em 2018. Na altura, a Direção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção tomou essa iniciativa com base numa denúncia do então CEO da Sonangol que substituiu a filha de José Eduardo dos Santos no cargo, mas nunca chegou a ter oportunidade de a questionar sobre uma série de transferências suspeitas que a petrolífera estatal fizera para o Dubai, porque no dia em que foi notificada para ser ouvida, em julho de 2018, Isabel dos Santos abandonou o país e nunca mais voltou.
Isabel dos Santos esteve para ser ouvida pelo Ministério Público em Angola numa fase preliminar, em julho de 2018
Essa averiguação preliminar converteu-se num inquérito-crime em 2019 e deu origem a uma providência cautelar decretada pelo Tribunal Provincial de Luanda a 23 de dezembro desse ano, que serviu de ordem de arresto de participações de empresas, contas bancárias e património detidos por Isabel dos Santos e Sindika Dokolo. Nessa lista foram incluídas as ações que ela possuía na maior empresa de telecomunicações de Angola, a Unitel, bem como as suas posições nos bancos BIC e BFA. Para justificar a ordem de arresto, a PGR reclamava mais de mil milhões de euros para o Estado, em resultado de negócios ruinosos estabelecidos com ela por várias empresas públicas, ao mesmo tempo que alertava para iniciativas de última hora da empresária para retirar dinheiro do país, referindo uma tentativa de transferência de 10 milhões de euros para a Rússia, país onde tem residência e nacionalidade.
Em Portugal, um pedido de cooperação internacional feito por Angola levou à abertura de diversos processos-crime a partir de janeiro de 2020, e a uma ordem de arresto de bens dois meses depois, em março. Em julho deste ano, o “Observador” dava conta da existência de 17 processos em curso contra Isabel dos Santos.
O Luanda Leaks teve como base uma coleção de 715 mil ficheiros fornecidos pelo português Rui Pinto à PPLAAF (Plataforma para a Proteção de Whistleblowers em África), que partilhou depois essa fuga de informação com o ICIJ. A investigação demorou meio ano a ser desenvolvida antes de começar a ser publicada e envolveu reportagens no terreno, incluindo em Angola, e métodos de trabalho inovadores, incluindo o uso de inteligência artificial. Além do Expresso e da SIC, participaram alguns dos maiores órgãos de comunicação social do mundo, incluindo o “New York Times” e a BBC. Entre os prémios de jornalismo que o projeto recebeu conta-se um Emmy atribuído ao ICIJ e à PBS por um documentário de investigação produzido para o Frontline. Expresso