A empresa PesSul, a única no ramo em Angola, vocacionada para a produção de conservas de peixe, está a lutar contra uma crise financeira que ameaça a sua sobrevivência.

A grave situação deve-se, em grande parte, à escassez de pescado, essencialmente na zona piscatória do Namibe – por ironia um lugar que chegou a ser nos anos 1960 um dos maiores centros piscatórios da África Ocidental (Ver Caixa) – e  à falta de matéria-prima importada, necessária para o envase do produto como latas e óleo,  detalhou ao Jornal de Angola uma  fonte ligada ao processo.

Para driblar o défice  de captura, a fábrica que processava duas variedades – o atum e  a sardinha  as conservas favoritas dos angolanos – ainda tentou procurar alternativas, usando espécies abundantes como a cavala mas não obteve resultados satisfatórios.

Em consequência disso, continuando a citar a fonte, foi somando prejuízos, agravados pela paralisação total da produção há um ano.

A  PesSul ainda tem nessa área um negócio significativo: o paté de cavala. Contudo o stock prevê durar apenas pouco mais de  três meses.

O oceano de incertezas que cerca  a empresa do Tômbwa,  também ameaça lançar para o desemprego   uma centena de trabalhadores.

O Jornal de Angola sabe que a PesSul recorreu à banca e ao Governo Provincial do Namibe depois de não conseguir angariar recursos para a sua recuperação financeira de longo prazo. A administração acredita que este é um passo necessário para reforçar a liquidez e remodelar os seus negócios, garantindo o salário aos seus colaboradores.


 O silêncio

Sobre o futuro da única fábrica de produção de conserva de peixe no território nacional poucas são as pessoas que arriscam vaticínios.

A administração da fábrica remeteu-se a um silêncio olímpico, depois de ter sugerido que lhe fosse  enviada um questionário por escrito.

Já Ângela Ndulumba, directora provincial  de Desenvolvimento Económico Integrado admitiu em conversa telefónica com o Jornal de Angola ter recebido, no seu gabinete, uma carta sobre a situação na empresa PesSul, mas “está a ser analisada”. Pouco  satisfeita com a situação que vive na PesSul e, “de uma forma geral no Tômbwa” está Ernestina Chipita, presidente da União das Cooperativas da Pesca Artesanal e de Processadores de Pescado do município, para quem o “Executivo deve melhorar os mecanismos de fiscalização contra  a pesca ilegal, responsabilizando e agravando as medidas penais sobre factos decorrentes de práticas ilícitas”, sugere em entrevista publicada nesta edição do JA.

Num investimento de quatro miIhões de dólares, a fábrica criada em 2016 e  suportada com equipamento e assessoria de Espanha – país reconhecido pelos melhores enlatados do mundo, de acordo com  o World’s 101 Best Canned Fish -, tem capacidade para processar, em duas linhas de produção, 200 mil latas de atum e 50 mil latas de sardinha por dia, trabalhando para o mercado interno.


Um dos maiores centros piscatórios da África Ocidental da década de 1960

Se até há pouco tempo a zona piscatória do Namibe era a mais importante de Angola, uma vez que representava pelo menos 65% de toda a actividade pesqueira, não admira que durante a época colonial  já fosse reconhecida e representativa economicamente na região, altura em que teve o seu grande ímpeto. Porto Alexandre, hoje Tômbwa, na mesma província, tornou-se numa cidade industrializada dos derivados do peixe, procurada por muitos pescadores. Chegou a ser, nos anos 1960, um dos maiores centros piscatórios da África Ocidental.

Era tão grande o número de pescarias que se perfilavam ao longo da praia, que já não havia condições para mais. O mar até à Baía dos Tigres era francamente rico em pescado; pensa-se que devido, principalmente, à corrente fria de Benguela e ao facto de não haver redes a montante, os cardumes chegavam ali em abundância tornando Porto Alexandre o lugar ideal para encontrar pescado e viver da pesca.

Tanto que, como não é de estranhar, as indústrias da pesca que mais floresceram no Tômbwa e em todo o distrito de Moçâmedes até 1975 foram a salga e seca (peixe seco e meia cura), a congelação, as farinhas e os óleos de peixe e as conservas, que empregaram dezenas de milhares de operários.

Porto Alexandre não tinha naquela altura porto de desembarque para navios de grande porte e a farinha de peixe que ali se produzia tinha de ser escoada, normalmente, através de Moçâmedes. Era embarcada no porto, para onde ia de camião ou em batelões (rebocados por uma lancha) até acostar ao navio e em seguida içada através do guincho.

Actualmente, a  faina de dezenas de barcos no Tômbwa diminuiu até quase nada.

 
O Executivo deve melhorar os mecanismos de fiscalização

Consegue perceber como  é que a  única empresa de conserva de peixe  do país está  quase a  fechar?

Assistir a essa situação, naturalmente, dói muito. Já testemunhámos muitos jovens, após perder o emprego,  partir, a maioria daqui do município. Se não há peixe, consequentemente não há renda. Ninguém pode investir sem ter um retorno.

E, ainda faz sentido queixar-se dos  “arrastões” que levam tudo, não deixando quase nada para quem tem uma pequena embarcação e pesca a anzol?

Sem dúvida. Aliás, os arrastões são os principais responsáveis pela escassez de peixe na província do Namibe, visto que continuamos a vê-los   a  pescar nas áreas de pesca artesanal. Além disso, enfrentamos o problema das técnicas de pesca artesanal que estão a deteriorar as áreas de reprodução do peixe. Essa situação coloca em perigo a biodiversidade marinha e impacta directamente aqueles que dependem da pesca artesanal na região.

Como reverter esta situação?

Além de proibir os arrastões de pescar  nos limites da pesca artesanal, ou seja, devem estar para lá das quatro milhas é urgente haver mão pesada para os infractores.

O Executivo deve melhorar os mecanismos de fiscalização responsabilizando e agravando as medidas penais sobre factos decorrentes de práticas  ilegais  no nosso mar.

 
E, quanto ao número de desempregados?

Existe o risco de  o Tômbwa se tornar uma cidade de desempregados se medidas drásticas não forem tomadas.

 
Quantos empregos oferece o sector das Pescas no Tômbwa?

Existem 470 embarcações, no município. Só o sector da  Pesca Artesanal emprega 3.290 pessoas. Por outro lado, os preços estão elevadíssimos, a caixa de carapau custa hoje 50 000 kwanzas.

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