Fonte: JA

As autoridades do Cuanza-Sul situam em mais de 80 por cento as perdas das colheitas de produtos agrícolas, na campanha agrícola 2020-2021, devido à prolongada estiagem, que afecta drasticamente as regiões do Centro de Angola.

Esta é das previsões mais pessimistas numa região onde os produtos de origem agrícola, pecuária e mesmo pesca representam cerca de 90 por cento da totalidade dos bens de consumo. Um quadro agravado com o histórico registo de poucas precipitações em municípios, como o Sumbe, Porto Amboim e mesmo Seles, onde desta vez “choveu me-nos”, como explicou o director da Agricultura e Pescas no Cuanza-Sul. O engenheiro agrónomo Laurindo Ladeira referiu que, no geral, naquilo que eram as expectativas sobre as chuvas, 80 por cento das produções estão praticamente comprometidas. “Estamos a encontrar essas dificuldades em todos os municípios”, referiu em declarações ao Jornal de Angola na vila do Waku Kungu.

 A previsão de colheitas para essa campanha, explicou, apontava para uma co-lheita muito próxima das 500 mil toneladas de produtos, das propriedades agrícolas de mais de 50 mil famílias, que contam com o apoio directo das autoridades em domínios como fertilizantes, adubos e outros insumos. “Das 50.372 famílias assistidas, 40.995 foram afectadas pela estiagem em todos os 12 municípios do Cuanza-Sul”, referiu o director da Agricultura e Pescas.

 Laurindo Ladeira, que seguiu a reportagem do Jornal de Angola aos projectos agrícolas, cooperativas e propriedades familiares nos municípios da Quibala e Cela, traçou, para os próximos dias, um quadro que aponta para elevadas dificuldades no caminho da recuperação das cifras anteriores da produção no território do Cuanza-Sul.”O impacto da seca foi muito grande. Os agricultores vão colher menos, vender menos, ter menos recursos e, mesmo em termos de sementes, vão enfrentar dificuldades para cultivar na segunda época”, sublinhou.

 Disse que a grave estiagem despoletou “grande responsabilidade”em quem apoia os agricultores, no caso as agências governamentais e mesmo algumas Organizações Não-Governamentais, com projectos nos municípios, em voltar a dar esse apoio, pelo menos a curto prazo. Para sustentar os seus re-ceios, ele deu, como exemplo, o SAMAP (Projecto de desenvolvimento da agricultura familiar e comercialização), que na segunda fase da campanha partiu para um programa de fornecimento de semente de batata rena e feijão, que “ainda dá para lançar à terra”. Esse apoio é visto, praticamente, como uma repetição, “para ver se ainda se consegue recuperar alguma coisa”, nas palavras de Laurindo Ladeira.

 

Grandes fazendas

O Jornal de Angola pôde confirmar que no Cuanza-Sul, sobretudo nos municípios da Cela e Quibala, estão basificadas algumas das maiores empresas agro-pecuárias de Angola, algo que é visto como um grande activo para a província, mesmo que isso não represente, por enquanto, um “peso” mais significativo na sua balança económica, já que produzem com o foco noutros mercados, sobretudo de Luan-da. Trata-se, aqui, de unidades como a Agrolíder, Santo António, Nuviagro, Cambondo, Emirais, Vissolela, Aldeia Nova, Mato Grosso, para citar apenas as mais representativas.

 O objectivo dessas empresas é tão diversificado, que vai dos cereais, frutas passando por hortícolas, café, até ao processamento de carne e ovos, vendidos um pouco por toda a capital do país, sobretudo nas grandes superfícies comerciais. O director da Agricultura não poderia ser mais claro a esse propósito.

“Estão aqui unidades com potencial para competir com projectos similares noutros países. São um bom activo e representam um grande contributo para aquilo que é a produção nacional e mesmo um pouco para a exportação”, reconheceu. Mas, preocupado, ele lamenta aquilo que chama de falta de uma “política correcta”, para que uma percentagem da produção das grandes unidades agro-pecuárias se reflicta, também, a nível do Cuanza-Sul.

“Essas empresas produzem com foco, quase a 100 por cento, para vender para fora da província, quanto muito, umas conseguem fornecer ao mercado local cerca de 20 por cento da sua produção, o que já é muito bom”, disse. À pergunta sobre essa “inconformidade”, o engenheiro Laurindo Ladeira argumentou com a inexistência, na província e, “talvez no país”, de regras que obriguem as empresas a venderem parte da sua produção na respectiva zona de implantação. Referiu que elas produzem e podem vender 100 por cento onde quiserem, pois “não há qualquer afectação, nem legal, nem em termos de apoio, que as obrigue a vender na província, nem que fosse, pelo menos, 20 por cento”.
 

 

Conflitos de terras

Questão muito actual nas principais regiões agrícolas, sobretudo no Norte, na província do Cuanza-Sul, as autoridades confirmam, também, a existência de “conflitos de terras”, embora em dimensões que se não conhecem com exactidão. Nessa província, foi desencadeado um processo de levantamento do estado actual dos espaços cedidos a diversos entes, para a prática agrícola, confirmação feita pelo director da Agricultura. Laurindo Ladeira foi directo na resposta: “Sim, temos, também, esse problema de terras, se calhar até em números de que se não tem noção, mas o governo provincial lançou, em 2020, uma iniciativa justamente para fazer-se um levantamento dos terrenos ócios agricultáveis e que deve terminar brevemente”.

O que se pretende dessa iniciativa governamental é que, no final, sejam identificados os proprietários dos terrenos, em que áreas de jurisdição se encontram (município, comu-na ou aldeia), para a apresentação pública. Os donos (se é que existem) serão chamados, para explicarem o porquê do não aproveitamento de terras cedidas para fins agrícolas, antes de se partir para o devido procedimento legal, como explicou o engenheiro Laurindo Ladeira.Perguntámos ao engenheiro Laurindo Ladeira sobre dados preliminares de terrenos aptos para a agricultura.

A resposta não poderia ser mais assertiva: “Ora, sem esse levantamento, fica praticamente impossível saber a quantidade de terras disponíveis para a agricultura. Os números que tínhamos anteriormente poderiam ser referência há cinco anos, mas hoje são espaços assoreados. Estão praticamente inundados”, disse.

Onde, também, ainda não há dados preliminares, é no RAPP “Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas”, um processo que decorre em todo o país, para se saber a estrutura de cada província nesses domínios.No Cuanza-Sul, o processo é descrito como estando a decorrer com normalidade, apesar de algumas dificuldades de acesso dos recenseadores a algumas áreas, mas já ultrapassadas, como referiu o director da Agricultura, que acrescentou que o mesmo atingiu, agora, a fase das explorações familiares e empresariais.

“Estamos bem, as equipas receberam a devida formação e esperamos obter resultados que sejam um grande ganho para a província”, disse.Potencial à espera por investidores, Cuanza-Sul é, seguramente, das províncias com maior potencial agrícola do país, a olhar, como vimos, pela sua diversidade de culturas. Desde as tradicionais às mais comuns, como cereais, leguminosas, café, até as consideradas mediterrânicas, como a maca, uva, entre outros.

Qualquer um desses sectores é um chamariz para in-vestidores, quer nacionais como estrangeiros, disse fonte governamental no Cuanza-Sul, referindo-se à abundância de recursos hídricos, uma vasta costa e uma diversidade climática e a fertilidade dos solos. Quatro dos 12 municípios, nomeadamente Conda, Amboim, Seles e Libolo são tradicionais produtores de café arábica e robusta, enquanto na Quibala e Cela, que concentram algumas das maiores fazendas do país, sobressai a produção de cereais e leguminosas.Na Cela, no passado sede de uma importante bacia leiteira, regista-se, há já alguns anos, uma notável dinâmica na criação de gado leiteiro, actividade que partilha com o município de Porto Amboim, mesmo que aqui seja mais gado para abate.

 Em toda a província, há o registo de 50 mil famílias que se dedicam directamente à actividade agro-pecuária e mais de 1.000 empresas privadas, que colocam significativas quan-tidades de bens no mercado, sobretudo de Luanda, como se diz noutro espaço dessa incursão à agricultura no Cuanza-Sul.”Temos um sector privado, com empresas que, também, produzem muito, ainda que não forneçam muito os seus dados”, adiantou Laurindo Ladeira, assegurando que na safra de 2019-2020, a produção do sector familiar si-tuou-se à volta das 600 mil toneladas, que entraram para o mercado local e mesmo de outras províncias.

Dados disponibilizados pelo director da Agricultura mostram que a estrutura de produção nas zonas rurais do Cuanza-Sul é composta por 50 mil famílias e mais de 500 cooperativas e associações.”As associações têm, em média, 30 membros, sendo que cada um pode representar uma família, mas há cooperativas com 300 membros. A média ronda entre os 30 e 50 membros por cooperativa”, explicou Laurindo Ladeira.

   

Projecto SAMAP

No Cuanza Sul, como em todo o país, é no sector agrícola familiar onde o Estado concentra maior atenção, pelas dificuldades estruturais que apresenta, mesmo sendo responsável pela maior fatia da produção de bens alimentares. Em meio a alguma chuva (muito aclamada por aquelas comunidades, em tempos de estiagem), a reportagem do Jornal de Angola foi levada até à aldeia de Mbanza Mussende, há pouco mais de 15 quilómetros da vila do Waku Kungu, no sentido Norte para quem vem da Quibala, para ver um projecto com potencial para melhorar os níveis de produção das cooperativas de camponeses.

 Indiferentes à chuva, em Mbanza Mussende os 60 camponeses da cooperativa Ombembwa (Alegria) esperaram, pacientemente, pela caravana de jornalistas do “Andar o país pelos caminhos da agricultura”, a quem descreveram as dificuldades por que passam e que se resumem no elevado preço dos fertilizantes, sementes e outros insumos para a lavoura. Em quase uma hora, os repórteres fizeram registos, como, de resto, viria a acontecer noutras regiões, como os Gambos, onde uma seca severa fustiga populações inteiras. Relatos que tiveram enorme eco dentro e fora do país, a justificar alguns movimentos que se seguiriam e seguem. Pelo meio, os camponeses destacaram o projecto de desenvolvimento da agricultura familiar e comercialização, uma iniciativa das chamadas “Escolas de cam-po”, que junto das cooperativas e produtores apresentam soluções técnicas inovadoras de cultivo de vários produtos, o que abre caminho para uma agricultura sustentável.

 Não foram disponibilizados números, mas o director da Agricultura garantiu-nos que a adesão dos camponeses ao SAMAP tem sido bastante significativa. “Há cada vez mais camponeses organizados em cooperativas a aderirem”, referiu Laurindo Ladeira, antes de detalhar à nossa reportagem toda a “mecânica”do processo. Como explicou o engenheiro agrónomo, os técnicos do SAMAP solicitam à cooperativa ou produtor, que já têm a sua área em produção, a disponibilização de um espaço, que passa a ser chamado de “parcela experimental”, que é trabalhada com tecnologia moderna na produção agrícola.

 Sempre com o foco na obtenção de melhores re-sultados, nessa “parcela experimental”, são melhorados os métodos de plantação, adubação, combate a pragas, doenças e outras, enquanto o agricultor mantém o seu método tradiocional de cultivo.”Isso é, aprendendo fazendo, os agricultores só vão implementar essas novas técnicas observando os resultados desta parcela experimental em comparação com as suas práticas tradicionais”, explica Laurindo Ladeira, satisfeito com a aceitação do SAMAP. Em paralelo com a disponibilização de modernas técnicas de produção, o projecto SAMAP contempla o ensino de novas formas de comercialização e de organização das cooperativas, para a sua legalização, algo importante para obterem mais apoios e colocarem os produtos no mercado.

   

 Insumos agrícolas

 Por todas as regiões, sobretudo no Planalto Central, por onde passou o Jornal de Angola, no projecto “Andar o país pelos caminhos da agricultura e do desenvolvimento”, os pequenos agricultores e famílias camponesas falaram, com muita insistência, dos elevados preços dos fertilizantes e de outros insumos agrícolas. Assim foi em localidades como Tchicala Tcholoanga e Samboto (Huambo), Cateco Cangola (Malanje),Tchinguar (Bié), Cacula (Huíla) e outras.

“Os fertilizantes estão muito caros”, foi o que mais ouvimos em conversa com os camponeses, em áreas com alguma sementeira na primeira época agrícola, entretanto com péssimos resultados, como se diz noutro espaço desta peça. E no Cuanza-Sul não poderia ser diferente, com o director da Agricultura a reconhecer ser “muito difícil”, para um agricultor, comprar um saco de adubo composto 12-24-12 por cerca de 30 mil kwanzas.

“É muito caro e não temos como intervir no preço do produto, já que somos um país importador”, sublinhou. Laurindo Ladeira defendeu uma maior intervenção do Ministério da Agricultura e Pescas na cadeia de aquisição de fertilizantes, para serem vendidos aos produtores, já com “alguma subvenção”. Essa é uma das grandes dificuldades, enquanto continuarmos a importar os insumos, o adubo e as pesticidas, vamos ter esse problema, acrescentou.

“Por exemplo, se o adubo é fornecido pelo IDA ou governo provincial, podemos vender o saco a 8.000 kwanzas, mas quan-do olhamos para o número de produtores, isso, certamente, representa uma gota no oceano”, argumentou. Mas há um detalhe, a mostrar o apoio “concreto” das autoridades aos agricultores e famílias camponesas. Na primeira época do ano agrícola 2020, os agricultores foram apoiados com “apenas” 600 toneladas de adubos, mas Laurindo Ladeira fala de municípios que também fizeram aquisições. Os municípios, indicou, também adquiriram sementes, ca-tanas, enxadas, motobombas para entrega aos pequenos agricultores, um mecanismo com que se tenta minimizar as elevadas carências.

 

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